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Israel e Palestina: a paz possível

/ Transmissão online - via Zoom

 

“Não há meios militares de derrotar uma ideologia como a do grupo Hamas, que tem uma visão distorcida do islamismo, santifica a morte de jovens palestinos e quer o fim de Israel. O único jeito de derrotar uma ideia é com uma ideia melhor. E a única ideia melhor na qual eu consigo pensar para o conflito israelo-palestino é a solução de dois Estados, com Israel e Palestina vivendo lado a lado. Apenas quando entendermos que palestinos e israelenses têm direito aos mesmos direitos, poderemos ter um novo recomeço”, disse Gershon Baskin, fundador e diretor do Israel/Palestine Center for Research and Information (IPCRI).

Conhecido negociador israelense, responsável pela mediação da libertação do soldado israelense Gilad Shalit, após 5 anos como refém do Hamas, ele afirmou que Israel nunca terá segurança se os palestinos não tiverem liberdade, independência e dignidade. E os palestinos nunca terão essas três coisas fundamentais se os israelenses não tiverem segurança.

Baskin participou deste webinar a convite da Fundação Fernando Henrique Cardoso e do Instituto Brasil Israel (IBI) no último dia 19 de dezembro. Ruth Goldberg, diretora-presidente do IBI, fez a abertura do evento, e Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC, a moderação. Karina Stange Calandrin, doutora em Relações Internacionais e professora da Universidade de Sorocaba, e Roberto Simon, mestre em políticas públicas pela Harvard Kennedy School autor, jornalista e analista de risco político em Nova York, fizeram perguntas ao palestrante.

Hamas e Netanyahu precisam sair para acordo avançar

Por mais contraditório que possa parecer, os ataques de 8 de outubro de 2023 em Israel podem levar a uma renovação do processo de paz israelo-palestino com base no pressuposto da solução de dois Estados vivendo lado a lado, afirmou Baskin. Há, no entanto, algumas precondições para que isso aconteça: 

  • A retomada das negociações de paz só será possível depois que o Hamas for derrotado como força dominante na Faixa de Gaza, e o território passe a ser governado por uma liderança palestina comprometida com um processo de paz renovado e genuíno.

  • O premiê israelense, Bibi Netanyahu, deve sair do governo, pois é o principal responsável pela completa paralisia do processo de paz nos últimos anos (a última tentativa séria foi em 2009) e pela vulnerabilidade do Estado de Israel, cujas falhas de segurança foram brutalmente expostas pelos ataques do Hamas.

  • O processo de paz deve ser reconstruído regionalmente, a partir do envolvimento de outros países do Oriente Médio, e não tendo os Estados Unidos como principal mediador, como ocorreu no passado, sem sucesso. Os EUA, a União Europeia e a ONU, entre outros países e instituições, devem, no entanto, apoiar e acompanhar o processo de perto.

  • Será necessário um esforço econômico internacional para reconstruir a Faixa de Gaza, que exigirá bilhões de dólares em investimentos em infraestrutura, moradia e apoio à população do território palestino. Os EUA, a China, a UE e os países mais ricos do Oriente Médio terão papel importante nesse esforço de reconstrução. 

“O 7 de Outubro foi o maior trauma para o povo judeu desde o Holocausto. E o que está ocorrendo em Gaza neste momento é o maior trauma para o povo palestino desde 1948, disse Baskin.

“O 7 de Outubro foi o maior trauma para o povo judeu desde o Holocausto. E o que está ocorrendo em Gaza neste momento é o maior trauma para o povo palestino desde 1948. Somos dois povos traumatizados vivendo lado a lado e enfrentando fatos que, sem dúvida, nos influenciarão para o resto de nossas vidas e as das próximas gerações”, disse.

“O desafio diante de nós, sobretudo dos israelenses e palestinos mais jovens, é deixar de olhar para trás e começar a olhar pra frente, como fizeram os irlandeses na Irlanda do Norte, no final do século passado. Nós temos de chegar a um momento que eu tenho chamado de Momento Belfast. É claro que o processo de paz na Irlanda do Norte foi um processo longo, complexo e difícil, mas tudo começou quando, em um determinado momento, a população da Irlanda do Norte, após católicos e protestantes se matarem uns aos outros por décadas, decidiu parar de olhar para trás e começou a olhar para frente e buscar uma solução pacífica para o futuro. A mesma coisa precisa acontecer em Israel e na Palestina”, defendeu.

Baskin – que atuou como conselheiro do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin durante as conversas com o líder palestino Iasser Arafat, que resultaram na assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993 – defendeu a retomada das negociações de paz, mas sobre novas bases. É importante lembrar que os Acordos de Paz de Oslo sofreram um importante retrocesso com o assassinato do premiê Rabin por um extremista judeu, em 1996. Arafat, presidente da Autoridade Palestina, faleceu em 2004.

“Oslo previa um período de transição de aproximadamente cinco anos, em que israelenses e palestinos adotariam uma série de medidas de construção de confiança, para, então, partir para um acordo final, permanente, que possibilitaria a existência de um Estado Palestino ao lado de Israel. Mas ambos os lados violaram essas cláusulas repetidamente. Enquanto fingíamos trabalhar juntos, na verdade perdemos confiança uns nos outros e cada vez mais passamos a acreditar que o outro lado não tinha a real intenção de cumprir o acordo”, afirmou.

Depois disso, houve várias tentativas de avançar no acordo de paz, como em 2000 (em Camp David, nos Estados Unidos, com a mediação do ex-presidente norte-americano Bill Clinton) e em 2009 (quando o premiê Ehud Olmert e o sucessor de Arafat, Mahmoud Abbas, tiveram 42 reuniões). Porém, naquele ano, Bibi Netanyahu voltou ao poder (ele já havia governado entre 1996 e 1999) após uma eleição muito apertada, e desde então as negociações estão paralisadas.

“Desde 2009, toda a estratégia dele tem sido a de aprofundar a divisão entre os palestinos, omitindo-se diante do apoio financeiro e militar de grupos e países estrangeiros ao Hamas, e fazendo o que pode para deslegitimar ainda mais a Autoridade Palestina na Cisjordânia, vista como ineficaz e corrupta tanto pelos próprios palestinos como também pelos israelenses. Enquanto isso, o governo israelense continua a permitir a expansão dos assentamentos israelenses em território palestino, tornando cada vez mais difícil a solução de dois Estados”, disse.

“O sucesso dessa estratégia de Netanyahu levou à quase eliminação da questão palestina da agenda internacional e até mesmo dentro de Israel, praticamente removendo este tema central, diria existencial para o Estado de Israel, das nossas vidas. Nas últimas cinco eleições ocorridas em Israel, em nenhuma delas a questão palestina foi discutida pelos políticos e pela população”, continuou.

No poder desde 2009, Netanyahu perdeu o cargo de primeiro-ministro brevemente em 2021, mas retornou no ano seguinte à frente de uma coalizão com a extrema direita. Em 2023, seu governo foi alvo de grandes protestos devido a um projeto polêmico que visava reduzir os poderes da Suprema Corte de Israel.

Segundo alguns analistas, a crise política interna distraiu as atenções da população, da classe política e até mesmo do Exército e das forças de segurança e teria sido uma das causas das graves falhas de segurança quando o Hamas atacou o país em 7 de outubro de 2023. “Não há dúvida de que, do lado israelense, Netanyahu é o principal responsável pela tragédia que estamos vivendo. Por isso, ele tem que sair do governo israelense o quanto antes. Só assim será possível avançar”, defendeu Baskin.

Do lado palestino, o analista israelense foi enfático ao dizer que não existe solução para a guerra em curso enquanto o Hamas governar a Faixa de Gaza. “Israel não vai parar de atacar Gaza enquanto não destruir o Hamas e tiver certeza de que o grupo não terá condições de seguir governando o território. Militarmente, Israel é capaz de encontrar os líderes do Hamas e matá-los, de destruir toda a infraestrutura de guerra do Hamas, as armas, os foguetes e os túneis, mas a ideologia do Hamas não pode ser destruída e eliminada pela força”, disse.

“No dia seguinte ao final desta guerra, que ainda vai demorar para chegar, será necessário um período de estabilização na Faixa de Gaza, com um novo governo, mas todo o processo tem que ser liderado pelos palestinos. Precisaremos de apoio internacional, principalmente do envolvimento dos Estados árabes vizinhos. Mas sem um convite dos próprios palestinos, qualquer tentativa de trazer forças internacionais para tentar estabilizar Gaza será vista como uma nova forma de ocupação e não será bem recebida”, disse.

Israelense cobra dos EUA e da Europa reconhecimento imediato do Estado Palestino

Baskin também exigiu uma posição mais clara dos Estados Unidos e de outros países centrais, como o Reino Unido e a Alemanha, em relação à criação do Estado Palestino. “Cento e trinta e nove países (entre eles, o Brasil) já reconhecem oficialmente o Estado palestino, mas não é suficiente. Os principais países da OCDE devem reconhecer o quanto antes o Estado Palestino, que deve se tornar membro pleno da Organização das Nações Unidas”, disse.

Segundo Baskin, as futuras negociações entre israelenses e palestinos devem ocorrer em novas bases. “As conversas não devem ser sobre a questão da criação ou não de um Estado palestino e quando isso vai acontecer, isso é algo que já deveria ser um consenso. O que temos de discutir é onde serão as fronteiras, como será a gestão delas, qual será o status de Jerusalém, e como construir pontes entre os dois Estados, em vez de muros e cercas”, disse.

Ele defendeu que os demais países árabes da região, como Jordânia, Egito, Emirados Árabes e Arábia Saudita, tenham papel importante durante as negociações, que devem ter um forte componente regional. Os Estados Unidos e a Europa devem acompanhar de perto e apoiar todo o processo, tanto do ponto de vista diplomático quanto com recursos financeiros. A China também deve ajudar na reconstrução de Gaza devido à sua ampla capacidade de investir e construir projetos de infraestrutura.

“A única possibilidade desta guerra terrível resultar em alguma vitória para israelenses e palestinos será a retomada do processo de paz. A solução de dois Estados está de volta à agenda nacional, regional e internacional e a questão que se coloca agora é: desta vez será genuíno? Será real?”, concluiu.

 

Assista ao vídeo do webinar na íntegra.

 

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.  

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